Governador Tarso Genro, li seu artigo na Zero Hora deste domingo. Como vice-presidente da AJURIS, entidade que certamente o senhor inclui no rol das organizações sindicais do funcionalismo altamente remunerado, permito-me algumas considerações.
Destino e utopia. O título remete às melhores reflexões de Norberto Bobbio, e iniciei a leitura esperando teses agudas e inovadoras sobre Estado e democracia. No entanto, deparei-me com ideias reducionistas sobre matéria complexa, que é a Previdência.
O senhor manuseou, desde o início, uma petição de princípio, própria de quem vê lhe faltarem argumentos: quem apoia sua proposta está imbuído do melhor espírito público; quem a ela resiste defende interesses menores, particulares.
Já ao discursar no Conselhão, o senhor falou em duas legitimidades: uma menor, corporativa, de quem se opõe ao seu pacote; outra maior, pública, que pede sua aprovação. Ao adjetivá-las, disse menor, corporativa, a de quem resiste, e assim lhe destinou lugar no lado escuro da força.
Agora, mesmo dizendo tratar-se de prerrogativa democrática, o senhor condena a aliança entre o corporativismo formalmente “esquerdista” e o funcionalismo altamente remunerado, supostamente de direita, que contamina e manipula os setores mais puros, assim tornados direitistas, na essência.
Nessa esconjuração, não hesita em produzir uma falácia matemática: diz que, como as alíquotas são hoje iguais, quem recebe pouco subsidia as altas aposentadorias. De onde, Governador, o senhor tira essa conta? Cabe esclarecer: alíquota igual não é contribuição igual: 11% de 1.000 é 110 e 11% de 10.000 é 1.100. Não lhe parece elementar?
Seguindo seu libelo, e já condenada a união do corporativismo dos pobres com o corporativismo dos ricos, o senhor exorciza o sistema de alianças com apoio especialmente em partidos que estiveram no centro de todas as reformas privatizantes e “liberais”.
Ora, Governador, o senhor bem sabe que as alianças são as possíveis, e a oposição ao pacote decorre das avaliações feitas por cada um dos atores que resistem. Comum a todos, a convicção da irremediável inconstitucionalidade de sua proposta.
Por outro lado, parece-me que mesmo o senhor encontra dificuldades na aliança que formou. Na última semana surgiram boatos preocupantes sobre o custo de cada voto que o senhor pretende ter na Assembleia Legislativa. Pelo que a imprensa publicou, a manutenção da maioria custa ao Estado, por deputado, R$ 80.000,00 em cargos. Afirma-se também que sua indicação de um conselheiro para o TCE ocorrerá somente depois da votação, como modo de manter reféns os aliados renitentes. Nada indica, assim, seja mais virtuosa a aliança que o senhor construiu para obter maioria no parlamento, sem se preocupar em obtê-la na sociedade.
E é aí que se escancara o desapreço à utopia: faltou concertação. Meu Houaiss, antigo, de 2001, não traz esse verbete, e o corretor do Word insiste em me advertir de que escrevo uma palavra que não existe, mas trata-se de um neologismo elegante, apropriado a projetos inclusivos formulados sob grifes que identificam uma esquerda moderna, arejada.
Pois é isso, Governador, concertação tem a ver com utopia. O senhor o sabe bem, porque chamou de Carta de Concertação o documento que baliza as atividades do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Lembro que, quando o senhor convidou a AJURIS a lhe indicar um nome para compor o Conselhão e, preocupado com nossa reação às suas precoces declarações sobre a previdência, disse que aquele seria um importante órgão de consulta, no qual faríamos essa discussão.
Quero lhe dizer que acreditei em suas palavras, e, contra os mais céticos, que argumentavam tratar-se de um aparelho que o senhor utilizaria como fachada para legitimar as suas políticas, defendi na AJURIS que indicássemos um nome.
Pois essa concertação, senhor Governador, que poderia bem identificar um novo modo de governar, um caminho para buscar sínteses onde há contradições, a busca coletiva de soluções melhores que seu açodado pacote, foi convenientemente arquivada; enquanto o senhor insiste em patrolar a Assembleia Legislativa, o Conselhão dorme em berço esplêndido.
Disse certa vez um filho desviado do marxismo que o caminho é tudo, o fim é nada. Trata-se de conceito oposto àquele outro, os fins justificam os meios, que o senhor bem sabe no que deu.
Prefiro pensar que o bom caminho pode levar ao bom fim, e não consigo ver caminho melhor que a concertação. Antes que nos percamos, e nosso destino fique muito longe da utopia.
* por Pio Giovani Dresch, vice-presidente da AJURIS.
FONTE: www.ajuris.org.br******************************************************************************************************************************************
NOTA DO EDITOR: Uma resposta muito bem concatenada e clara para quem ainda está em dúvida sobre as circunstâncias que permeiam a tentativa do governo de patrolar a ALRS e buscar a aprovação do PacoTarso arrecadador ainda nesta terça-feira.É uma aberração que está sendo proposta pelo governo do PT e sua base aliada, a qual sempre se posicionou contrária a este tipo de solução para a previdência pública do RS, principalmente quando "era oposição".
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