Dissertação defendida em junho na USP considera quadro atual 'grave'; morte de publicitário fez corporação discutir abordagens
Bruno Paes Manso - O Estado de S.Paulo
Um dos policiais sonhava em proteger a sociedade e trabalhava dobrado para prender suspeitos. Mas nada adiantava - levados à delegacia, eles eram soltos após pagar propina. O outro se sentia superpoderoso com a arma na mão e achava que seria admirado pela tropa depois de praticar assassinatos. Os dois se tornaram policiais assassinos e cumpriram pena no Presídio Romão Gomes, em São Paulo.
Identificados pelos pseudônimos Steve e Mike, contaram suas histórias e motivações ao tenente-coronel Adílson Paes de Souza, que foi para a reserva em janeiro. As entrevistas estão na dissertação de mestrado A Educação em Direitos Humanos na Polícia Militar, defendida no mês passado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco.
A discussão sobre o que leva um agente público a atirar e matar ganhou força na semana passada, quando uma abordagem equivocada da Polícia Militar causou a morte do publicitário Ricardo Prudente de Aquino, de 39 anos, no Alto de Pinheiros, zona oeste. O erro fez a polícia rever anteontem seu treinamento de como abordar veículos suspeitos de forma correta.
Na entrevista, Steve explicou ao coronel sua rotina de visitar velórios de policiais mortos. Inúmeras frustrações o levaram a assumir o papel de "juiz, promotor e advogado". Já o policial que se identificou como Mike relatou que imaginava que, ao praticar homicídios, seria mais respeitado por colegas de tropa.
"Como meu trabalho mostra, existe razão na preocupação de entidades nacionais e internacionais com a violência na sociedade brasileira", diz Souza. "O quadro é considerado grave. Fiz o estudo e ouvi os policiais por acreditar que a mudança da situação passa por melhorias na educação do policial."
Formado em Direito, o tenente-coronel também integra a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo desde 2007. Foi orientado pelo professor Celso Lafer e participaram de sua banca o filósofo Roberto Romano e o professor André de Carvalho Ramos. O trabalho cita dados da Ouvidoria de São Paulo sobre violência policial: com população quase oito vezes menor que a dos Estados Unidos, o Estado de São Paulo registrou 6,3% mais mortes por policiais militares em um período de cinco anos.
Direitos humanos. A educação de baixa qualidade em direitos humanos é apontada pelo coronel como uma das causas da violência policial. A dissertação mostra que, no ano 2000, eram dadas 144 horas/aula de direitos humanos. Dezoito anos depois, os currículos com matérias de direitos humanos diminuíram no Estado. Atualmente, o tema corresponde a 90 horas/aula, o que significa 1,47% do total da carga horária do curso.
Souza ainda sugere em seu trabalho maior participação da sociedade civil para ajudar a criar um tipo de educação de perfil crítico, com debates mais transparentes e participação popular.
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NOTA DO EDITOR: A questão do preparo técnico dos policiais passa por um currículo que favoreça a vivência prática da profissão e um acompanhamento psicológico ao longo de toda sua carreira, pois o que se vê hoje é um preparo técnico deficiente aliado a praticamente nenhum acompanhamento psicológico. É inegável o stress que o policial de rua vivencia no desenvolvimento de suas atividades laborais, pois a convivência diária com as mazelas sociais e a responsabilidade de mediar a quase totalidade dos conflitos sociais é um encargo quase impossível de ser enfrentado pelo policial brasileiro. Aliado a isso tudo temos ainda que levar em conta que a atividade policial de forma geral é profundamente antipática aos olhos da sociedade, o que com o passar do tempo acumula um desencanto evidente dos policiais com sua profissão. Da mesma forma a impotência diante de sua limitação em enfrentar e resolver de forma duradoura as mazelas sociais se torna mais um viés de contrariedade a estressar os policiais no desempenho de suas atividades. Buscar soluções que possibilitem uma maior efetividade da atuação dos policiais, seja com um sistema penal mais eficiente, com um preparo técnico mais qualificado e uma remuneração mais condizente com a importância da atividade policial são responsabilidades que o Estado tem que assumir se deseja ter uma polícia mais eficaz e eficiente, pois se assim não proceder continuaremos a conviver com uma polícia mal formada, deficiente em suas estruturas e prestadora de um serviço de pouca valia para a sociedade. É importante ter em mente que o policial é fruto do meio social e da sociedade de onde provém.
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