terça-feira, 24 de setembro de 2013

Levantamento mostra a geografia do crime em Porto Alegre

Trabalho realizado conjuntamente por ZH e Diário Gaúcho aponta as regiões onde, até agosto, 240 pessoas foram assassinadas na Capital

A pipoca espocava no microondas, enquanto a cerveja gelava no freezer, a poucos metros da TV ligada, à espera do desfile da escola de samba do bairro. Eram 23h30min de 9 de fevereiro, na Restinga, zona sul da Capital, e a morte rondava a casa de Luciano Trindade da Rosa.
Tudo indicava um sábado de Carnaval tranquilo. A água recém havia voltado às torneiras de casa, e o gráfico, de 34 anos, aproveitou para encher a piscina plástica, na parte da frente do pátio. Preparava o terreno para curtir a manhã de sol do dia seguinte com a irmã e os sobrinhos. Mas Luciano só tinha alguns segundos de vida. Em frente ao portão, um homem armado de revolver tentou matar outro em razão de uma desavença por drogas. E um dos tiros acertou em cheio a testa de Luciano.
O criminoso desapareceu em uma moto, o desafeto fugiu, ferido, e Luciano tombou ao lado dos quatro cães de estimação. Desesperados, eles acoaram sem parar. Um subiu no peito do dono e não deixou ninguém se aproximar.
Luciano nada tinha a ver com crimes. Mas foi vítima de uma guerra silenciosa que ocorre na Capital, quase imperceptível para a maioria dos 1,4 milhão de porto-alegrenses. O assassinato de Luciano emerge de um levantamento produzido a partir de reportagens de Zero Hora e Diário Gaúcho. Foram analisados 240 homicídios ocorridos nos oito primeiros meses do ano na Capital – média de 30 por mês (um por dia). Não foram considerados no levantamento latrocínios (quando a vítima é morta em roubo).
A pesquisa ressalta como regiões mais sangrentas as periferias nos extremos da cidade – bairros Rubem Berta, Mario Quintana e Sarandi, na Zona Norte, e Restinga, na Zona Sul – e áreas tradicionalmente conflagradas, como o Morro Santa Tereza.
Nove em cada 10 homicídios têm relação com o tráfico de drogas
O levantamento aponta que os cinco bairros concentram um terço de todas as mortes registradas no período na Capital. E revela uma tendência preocupante. A matança comandada por traficantes é cada vez mais expressiva – segundo estimativas de autoridades, os pistoleiros do tráfico são responsáveis por nove em cada 10 homicídios registrados em Porto Alegre.
Costuma-se dizer que o perfil de quem mata é igual ao de quem morre: aliados que se rebelam para controlar bocas de fumo, quadrilheiros rivais e clientes que não pagam dívidas. Mas, nesse meio, também existem vítimas de verdade – inocentes, como Luciano. Assim, a violência que cala inimigos também acaba sendo a mesma que silencia quem nada ter a ver com as disputas entre traficantes. Cidadão pacato, Luciano jamais entrou em uma delegacia de polícia, nem para registrar uma perda de documento.
– Solteiro, sem filhos, a vida dele era trabalhar e cuidar dos cachorros. Estamos muito revoltados. É difícil aceitar. Queremos justiça – desabafa Fabiana Trindade da Rosa, 37 anos,  irmã e colega de trabalho de Luciano.
Um suspeito foi preso dias depois, trocando tiros com policiais, quase no mesmo lugar. Envolvido em assalto e tráfico, portava um revólver cuja perícia comprovou depois se tratar da mesma arma que matou Luciano.
Jovem morto ao pisar em território proibido
Outro episódio não menos chocante ocorreu 10 dias antes da morte de Luciano. Marlon Padilha, 15 anos, foi morto porque morava em outro ponto do bairro e não podia colocar os pés no Beco Cecília Monza. Acompanhado de um amigo, o jovem recuou, deu alguns passos de volta, mas mesmo assim, foi executado com um tiro na nuca.
Em março, na Vila Funil, bairro Tristeza, Cristiano da Cruz, 32 anos, trabalhador com carteira assinada em uma empresa de limpeza, foi morto a tiros por três homens a mando de um presidiário. O “pecado” que custou a vida de Cristiano: comprou uma casa, que pertencia ao traficante expulso da vila.
Na Zona Norte, a batalha de quadrilhas rivais já levou, por duas vezes, terror a pacientes, médicos e enfermeiros dos hospitais Cristo Redentor e Conceição – cenários de uma execução e de uma tentativa de homicídio, que acabou se consumando na rua dias depois. Confrontos nos bairros Mario Quintana e Protásio Alves – em especial, entre gangues da Chácara da Fumaça  e da Vila Laranjeiras –, já somam 23 mortes neste ano. Em abril, passageiros de um ônibus ficaram em estado de choque ao testemunhar a execução de um homem com quatro tiros. E, em junho, moradores foram expulsos de casa e três moradias acabaram incendiadas.
Sinal de alerta na Restinga
O garçom de Viamão André Luis dos Santos Leal, 24 anos, comprou buquê de flores e contratou, por pelo menos três vezes, serviço de telemensagem para uma ex-namorada, na tentativa de reconquistá-la.
Na última vez, em 30 de julho, não encontrou a mulher, foi perseguido e executado com cinco tiros dentro do carro de som. O motivo: a insistência da homenagem estaria “chateando” traficantes da vizinhança.
– Morreu por amar demais – acredita o delegado Gabriel Bicca, da 4ª Delegacia de Homícidios e Proteção a Pessoa, responsável pela investigação do casos.
Na Restinga, assim como nos bairros Rubem Berta, Santa Tereza e Lomba do Pinheiro, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) desenvolve o programa Território da Paz, iniciativa que visa a frear a violência com ações policiais e projetos sociais.
Conforme dados oficiais, os assassinatos nos quatro bairros caíram desde que o projeto foi criado, em setembro de 2011. Nos primeiros oito meses de 2013, a redução foi de 12,5% (de 80 para 70) em relação ao mesmo período de 2012. Mas, na Restinga, os crimes subiram (de 15 para 22).
Para o sociólogo Juan Mario Fandino, membro do Núcleo de Estudos sobre violência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as mortes acontecem porque os traficantes são menos suscetíveis à presença policial.
– A criminalidade entre gangues é endógena. Elas se matam e acertam contas de qualquer modo.
Bandidos que saem da cadeia tentam recuperar terreno
Conforme o secretário estadual de Segurança Pública, Airton Michels, a polícia está atenta ao caso da  Restinga:
– Lá, existem grupos que se enfrentam há anos. Uns saem da cadeia e voltam para tentar retomar seus pontos. Detectamos essas disputas e estamos agindo, capturando foragidos, apreendendo armas. Em setembro, o número de homicídios vai reduzir na Restinga.
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NOTA DO EDITOR: Apenas lamento que vai ano, vem ano, vai governo, vem governo e as soluções se repetem: promessas, remanejo de efetivos, notícias midiáticas, soluções inócuas e dispendiosas para os cofres públicos, e os resultados pífios e inexistentes!!! Ao verificar as questões levantadas pelos jornais constato que os problemas novos são os mesmos velhos problemas superdimensionados e com uma tendência alarmante: só aumentam, os índices e a violência, e me abate uma dúvida: tem jeito??? Eu mesmo respondo: Tem. Basta uma tomada de consciência, um choque de urbanidade, um surto de responsabilidade do decisor político, mas isto sim é difícil, pois os governos se sucedem e não tomam medidas sérias e duráveis para solucionar o problema da segurança pública.  A solução passa por investimento em equipamentos modernos para aparelhar os órgãos policiais torná-los eficazes,  uma política de recrutamento e ensino compatível com as necessidades de cada instituição policial, revisão das leis penais, processuais penais e de execução penal do país, revisão das atribuições das polícias tornando-as mais eficientes. Enfim é preciso responsabilidade e seriedade para tratar a questão da segurança pública, pois soluções paliativas só fazem efeito temporário e não tem o condão de atacar as causas do aumento da criminalidade e da violência. Portanto somente ações de Estado podem surtir o efeito desejado, pois que não devem estar carregadas de ideologias políticas e sim buscar o interesse público e o bem comum da sociedade, mas isto é um sonho diante da realidade do nosso poder político, que não enxerga além de um horizonte de quatro anos de governo. 

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